segunda-feira, 4 de maio de 2009

RESENHA DO TEXTO “DESIGN: OBSTÁCULO PARA A REMOÇÃO DE OBSTÁCULOS?”

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naif, 2007. Design: obstáculo para a remoção de obstáculos? p.194-198.

Vilém Flusser foi um filósofo nascido em Praga em 1920. Ele estudou filosofia na Universidade Carolina de Praga e deu continuidade aos estudos na London School of Economics and Political Science, sem, contudo, finalizá-los, sendo considerado um autodidata. Emigrou para o Brasil em 1940, participando do Instituto Brasileiro de Filosofia a partir de 1950. Em 1960, recebeu o título de professor “por notório saber” da Universidade de São Paulo. Flusser retornou à Europa em 1972, onde faleceu em 1991.
Flusser, em "Design: obstáculo para a remoção de obstáculos?", classifica os objetos de uso como obstáculos aos quais recorro para afastar outros objetos enfrentados e a cultura como a totalidade dos objetos de uso. Assim, em meu caminho, supero barreiras com projetos, designs, que se converterão em novas obstruções para um outrem. “Em outras palavras, quanto mais prossigo, mais a cultura se torna objetiva, objetal e problemática.” Logo, projetos devem ser configurados de forma a suavizar os estorvos e auxiliar o caminhar das próximas pessoas.
Tendo sido projetados por outros homens, os objetos de uso constituem-se como uma mediação entre mim e esses outros homens, possuindo, além do caráter objetivo, um aspecto dialógico, o qual deveria ser realçado. Para tanto, menciona-se que a configuração do objeto permeia a questão da responsabilidade, que é a “decisão de responder por outros homens”, e a opção por responder pela própria criação salientaria a propriedade dialógica e intersubjetiva do design.
Já a criação irresponsável, considerada predominante na cultura, concentra-se unicamente no objeto, “encolhendo o espaço da liberdade na cultura”. A produção de objetos cada vez mais úteis condiciona o progresso técnico, em detrimento do avanço responsável, voltado aos outros homens, que passa a ser entendido como retrógrado.
Por fim, objetos imateriais, como redes de comunicação e programas de computador, são apontados como um possível passo em direção aos projetos responsáveis, na medida em que a ausência de matéria permite que se visualize melhor sua face dialógica e os homens por trás do objeto. É abordada, também, a maior consciência da efemeridade das criações que, depois de descartadas, igualmente impedem o caminho. Desse modo, indica-se a viabilidade de um futuro detentor de uma cultura mais livre, na qual os objetos de uso sinalizam menos obstáculos e mais vínculos entre os homens.
Percebo que o texto de Flusser, escrito há cerca de 30 anos, aplica-se corretamente ao cenário atual, no que tange os problemas e responsabilidades dos designers. A conformação da sociedade é regrada pelos níveis de domínio e poder, e isso se prolonga ao design, conduzindo à necessidade de controle do produto pelo criador. Assim, não há chance de abertura às pessoas.
Concordo que o grande avanço tecnológico deriva da elaboração de objetos de uso específico. Contudo, não se nota progresso igual que leve a uma maior variabilidade na aplicação de um objeto. Almeja-se um projeto perfeito para certa condição, quando a ambição maior deveria ser um projeto que admita que diferentes pessoas o adequem a diferentes situações.
Toda essa argumentação dialoga com Herman Hertzeberger que, em sua obra, Lições de Arquitetura, defende as “formas convidativas”, apropriadas aos diversos contextos que possam surgir e aos distintos seres integrantes dos mesmos. Essas formas acomodariam diferentes interpretações, o que caracteriza a abertura solicitada por Flusser.
Porém, não basta a elaboração de um projeto inacabado para que se atinja o design responsável, capaz de receber leituras variadas. Isso pode resultar em um projeto vazio de qualquer significado ou orientação para a determinação de um uso, o que é indesejado. As estratégias adotadas pelo designer não devem ser inteiramente direcionadas e nem completamente livres. As aplicações do objeto devem ser menos previsíveis, mas não vislumbro como algo factível a elaboração de um objeto isento de qualquer característica determinada.
Flusser sinaliza, com grande clareza e coerência, a importância da criação responsável para a cultura livre, e isso é essencial para que se rompa com o design de produtos de aplicação única, que atulham o espaço circundante. O caminho, então, seria o design de meios que conduzam a elaboração de diferentes objetos finais.

Isadora de Castro Silva, acadêmica do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Nenhum comentário:

Postar um comentário